segunda-feira, 17 de agosto de 2009

BELISSIMA FALA DA EKEDE MARIÁ D'OMOLU NA POSSE DO INTECAB-PB


Bom dia a todos e todas, bença aos mais velhos e aos mais novos.
Como Mulher, Iyádagan do Ilé Axé Omilodé e membro do Grupo de Mulheres Iyálodê, quero resaltar a coragem e luta da Mulher Negra Brasileira. Palmares teve como uma de suas fundadoras a negra Aqualtune. Filha do Rei do Congo na África, vendida como escrava fugiu e fundou Palmares com outros companheiros. Zumbi era seu neto. Dandara outra das guerreiras, após a derrota preferiu suicidar-se a voltar a ser escrava. Filipa de Aranha liderou um Quilombo no Pará. Teresa de Quariterê liderou por duas décadas o Quilombo de Quariterê em Minas Gerais. Zerafina comandou o levante do Quilombo do Urubu na Bahia. Luisa Mahin, negra livre durante o regime escravista, participou da revolta dos Malês.
Ao contemplar esta realidade de toda luta anti-escravista foi marcada pela presença da mulher negra. Lideranças de Quilombos ou apenas mães, irmãs, tias, avós, companheiras de grandes lideres ou não, transmitiram destemor para as gerações que lutaram.
No decorrer da história, aqueles detentores de poder, através da força ou do saber, e que começaram a sentir com ou como os que nada tinham, perceberam nesta solidariedade a real necessidade de mudanças. Só sentiram carência de transformar, os que encarnaram na própria pele a fome de mudanças dos que vivem de fato, à margem da participação do poder.
Retorno novamente à história, saindo um pouco dos Quilombos para à Índia do nosso século, no intuito de resgatar um exemplo puramente humano de quem vivenciou a meta de encarnação: Gandhi. Intelectual indiano, de família ortodoxa e de posses, formado em Direito na Inglaterra e na África do Sul; retornando à sua terra natal, tornou-se lider do Partido do Congresso, marcando o início de um processo de encarnação nas dores do seu Povo indiano, suscitando em seu espírito o profundo desejo de libertação, inato na grande massa oprimida que era sua gente. Descobriu que sonhar os sonhos dos que só podem sonhar, era abrir mão do seu sonho pessoal para a realização de um sonho em comunhão. Foi assassinado, mas o seu sonho, que não mais lhe pertencia, imortalizou-se nas consciências de sua nação.
E, hoje, como vivenciamos a realidade pessoal de exercício do poder junto aos que carecem dele? E se algum de nós negar a manutenção de algum poder, basta lembra-se da razão de estar aqui.
Apresento agora uma pista de ação, com tentativa de resposta a este questionamento supracitado, através de uma parábola.
Existia uma criança muito pobre que vivia em busca da felicidade. Numa de suas peregrinações, parou diante de uma grande escola atraída por um grupo de garotos em explosiva alegria por causa de um jogo de bola. A pobre criança desejou imensamente saborear a alegria daquelas crianças, e pediu a Olódumarê que aquela bola caísse aos seus pés. Imediatamente, um chute descuidado e providencial, cuidou para que o pedido da criança fosse atendido tão rapidamente. Ela não vacilou, tomou a bola nas mãos e correu rumo à felicidade total. Após a fuga e a vitória, começou a desfrutar da felicidade que sentiam as crianças da escola, e percebeu que a felicidade não estava apenas no possuir a bola, mas no passar e receber a bola.
Qual a mensagem desta parábola para nós hoje?
Recebemos uma bola enorme em nossas mãos, nesta manhã, a tão desejada INTECAB – Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira. Passaremos ou reteremos esta bola? Será que imaginamos o número de pessoas que nos aguardam com as nossas bolas, para participar do jogo? Temos duas opções: Retermos a bola e tentarmos ser felizes num jogo mesquinho e solitário ou passarmos a bola e sermos felizes num jogo de partilha e crescimento em comum.
Que os nossos anseios mais profundos, os nossos discursos de transformação, bradados ou não, jamais esbarrem nas estradas da contradição e do comodismo.
Precisamos experimentar a realidade divina dos Orixas, pois śo perceberemos mais eficazmente a quem devemos servir (passar a bola) de preferência, quando olharmos o social circundante com os olhos dos que precisam de nós. É preciso sentir com o coração deste pequenos, para que amemos de verdade o compromisso de gerar o ideal na vida e na prática.
“E agora José?” E agora Babalorixas, Iyáloririxas? E agora Ogans, Ekedis, Iyaôs, Abians? E agora Mestres, Doutores, Psicologos (as), Advogados (as)? A festa acabou? A luz apagou? Não. “Desesperar jamais, aprendemos muito nesses anos...”
Olhemos para o mundo que nos cerca e ofertemos nossas consciências de Sacerdotes e Sacerdotisas, ciente de que “no novo tempo apesar dos perigos, da força mais bruta; do noite que assusta estamos na luta para sobreviver.”
Mostremos nossas mãos a estes que testemunham o nosso compromisso, para que possam cobrá-las aos que nem força e espaço têm para estender as suas; provando que a mão que toca uma caneta, um livro, uma navalha, uma bola, a mão que toca o atabaque se for preciso vai a luta.
Que os nossos pés se encarnem na terra dos descalços, desvalidos, sedentes de pés irmãos dispostos a trilhar juntos pela conquista de um chão próprio, onde não se respire os desprezos dos Senhores de Engenho, por que “somos todos iguais, braços dados ou não, nas escolas, nas ruas, campos, construções... vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer.”
Mo dupé Exú (eu agradeço a Exú) por nos permitir este momento.
Mo dupé Oxum Omigewa por permitir minha fala.
Que meu pai Obaluaiê nos lance muita luz diante dos desafios que ora assumimos e com isso nos faça crescer unidos – esse é o significado maior da INTECAB.


Muito Axé!




Maria Marques Maciel